Nosferatu (1922)

Por Sandro Massarani Nome: Nosferatu, a Sinfonia do Horror Rating: 10 / 10 Nome Original: Nosferatu, eine Symphonie des Grauens Ano: 1922 País: Alemanha Cor: P/B Duração: 84 min. Dirigido por: F.W. Murnau Escrito por: Henrik Galeen, baseado na obra Dracula de Bram Stoker Estrelado por: Max Schreck, Gustav von Wangenheim, Greta Schröder, Alexander Granach "Sangue! Seu precioso sangue!" Enredo: Vendedor de imóveis alemão viaja para os assustadores montes Cárpatos com o objetivo de negociar com um conde local, na verdade um maldito vampiro, que ao se interessar pela noiva do convidado acaba partindo imediatamente para encontrá-la, levando destruição e morte. Primeiro e até hoje o melhor filme baseado no Drácula de Bram Stoker. Histórico: Em 1919, Robert Weine lançaria na Alemanha O Gabinete do Dr. Caligari, transpondo para o cinema as idéias do estilo de pintura expressionista, criando o que muitos historiadores chamam de primeiro estilo cinematográfico: o Expressionismo Alemão. As idéias expressionistas basicamente se contrapõem a um estilo realista de visão. Não há a necessidade de retratarmos o mundo real pois ele sempre está disponível para nossos olhares. Deve-se sim exteriorizar os sentimentos internos e reprimidos para o público, distorcendo e modelando as formas de acordo com essas sensações. No expressionismo as formas e construções são exageradas, às vezes grotescas, surreais, estilizadas. É de fundamental importância relacionarmos o surgimento do Expressionismo Alemão no cinema com a situação do país em 1919. A Alemanha havia sido considerada a principal culpada pelas atrocidades da Primeira Guerra (1914- 1918) e havia assinado o famigerado Tratado de Versalhes, que lhe impôs pesadas indenizações e restrições. Além disso, o império alemão havia sido dissolvido, dando lugar a chamada República de Weimar. Essas bruscas mudanças político-econômicas criariam um terreno instável mas fértil para inovações cinematográficas expressionistas, montando o contexto para o diretor F.W. Murnau criar Nosferatu: A Sinfonia do Horror. Murnau adaptou de forma livre mas sem autorização o romance Drácula de Bram Stoker, e teve sérios problemas com os direitos da obra, que envolvia disputas com a viúva do escritor. Nosferatu inclusive será retirado de circulação na Alemanha, e teve muitas de suas cópias destruídas por causa das acusações de plágio. O filme contém diversas alterações, como a mudança dos nomes dos personagens (Drácula para Orlok), do nome vampiro para nosferatu, a eliminação de vários personagens secundários e a transposição do ambiente da Inglaterra vitoriana para a cidade alemã de Bremen de 1838. Porém, a essência realmente se remete a obra de Stoker, e essa idéia central somada ao estilo de Murnau provocaria um resultado assustador. A imagem que temos do Drácula erótico e sensual, do gentleman sedutor de voz hipnótica foi estabelecida pelo húngaro Bela Lugosi no filme Drácula (Tod Browning, 1931). Tão forte foi a atuação de Lugosi que ele criou praticamente sozinho todo o imaginário em torno do conde que existe até hoje. Porém, não foi essa a primeira imagem de Drácula no cinema, pelo contrário. O nosferatu de Schreck não evoca um romantismo, mas sim repulsa. Não evoca sedução, mas repugnância. Não evoca a nobreza de um conde, mas as atitudes de um rato acuado. A atuação de Schreck deve muito a fotografia fenomenal de Fritz Wagner, que mantém uma beleza assustadora até os dias de hoje, retratando de forma fiel as angústias expressionistas. Nosferatu e outros sucessos de Murnau como a Última Risada (1924) e o fantástico Fausto (1926) o levaria a Hollywood com um contrato de cinco anos com a Fox. Apesar da grande obra Aurora (1927), escolhida pelo American Film Institute como um dos 100 melhores filmes americanos de todos os tempos e co-vencedora do primeiro oscar de melhor filme, o estilo pessoal de Murnau não se adaptaria muito bem com o sistema americano de estúdio nem com a introdução do som, provocando pesada interferência de executivos. Murnau morreria em um acidente de carro em 1931 na Califórnia. A influência de Nosferatu e de toda a escola expressionista é inegável e sentida até hoje. Nosferatu seria refilmado em 1979 por Werner Herzog, que acrescentaria seu toque pessoal e colocaria o enigmático Klaus Kinski no papel do conde. Em 2001 foi lançado o filme A Sombra do Vampiro (dirigido por Elias Merhige), que narra de forma fictícia o making of de Nosferatu, com a premissa de que o ator Max Schreck, interpretado magnificamente por Willem Dafoe, seria um vampiro de verdade! Alguém duvida? Eu não. Prós: - Um dos principais responsáveis pelo surgimento do estilo "monstro" de filmes de horror, que se espalharia por Hollywood na década de 30 com inúmeras obras do Universal Studios, como Drácula (1931), Frankenstein (1931) e A Múmia (1932), entre outros. - É a imagem mais assustadora que temos até hoje de um vampiro. A interpretação de Shreck é algo único. - A fotografia expressionista de Fritz Wagner, crua e selvagem, com suas sombras e contrastes criando cenas memoráveis envolvendo o nosferatu, como sua ascensão do caixão, a chegada do navio fantasma, e a sombra do vampiro sempre na espreita de um iminente ataque. - A técnica de edição, altamente inovadora para o período, que retrata em tomadas alternadas a corrida entre Hutter, por terra, e o conde, pelo mar, para chegarem a cidade de Bremen, ao mesmo tempo que mostra a noiva Ellen sentindo a ameaça se aproximar. - O nosferatu é sinônimo destruição e mortes. Sua presença traz a peste, e as cenas da cidade, amaldiçoada após sua chegada, com as pessoas carregando caixões em procissões fúnebres nos mostra a magnitude do terror. É arrepiante. Contras: - O nosferatu faz tudo meio que sozinho, inclusive carrega seu próprio caixão pela cidade. Isso diminui um pouco a noção de que ele representa uma grande ameaça. - Algumas cenas tem pouca ligação com a história central, e acabam travando a narrativa. - Não agradará quem espera uma adaptação fiel do romance de Stoker, e nem é essa a proposta. Devo Assistir ? O filme retrata mais um horror "artístisco" do que simples apelações emocionais. Quem está acostumado com muito sangue, carnificina e cenas clichés de suspense provavelmente não vai considerar Nosferatu um filme assustador.
tópicos sobre narrativa, roteiros e mundos virtuais
Além do Cotidiano
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Nosferatu (1922)

Por Sandro Massarani Nome: Nosferatu, a Sinfonia do Horror Rating: 10 / 10 Nome Original: Nosferatu, eine Symphonie des Grauens Ano: 1922 País: Alemanha Cor: P/B Duração: 84 min. Dirigido por: F.W. Murnau Escrito por: Henrik Galeen, baseado na obra Dracula de Bram Stoker Estrelado por: Max Schreck, Gustav von Wangenheim, Greta Schröder, Alexander Granach "Sangue! Seu precioso sangue!" Enredo: Vendedor de imóveis alemão viaja para os assustadores montes Cárpatos com o objetivo de negociar com um conde local, na verdade um maldito vampiro, que ao se interessar pela noiva do convidado acaba partindo imediatamente para encontrá-la, levando destruição e morte. Primeiro e até hoje o melhor filme baseado no Drácula de Bram Stoker. Histórico: Em 1919, Robert Weine lançaria na Alemanha O Gabinete do Dr. Caligari, transpondo para o cinema as idéias do estilo de pintura expressionista, criando o que muitos historiadores chamam de primeiro estilo cinematográfico: o Expressionismo Alemão. As idéias expressionistas basicamente se contrapõem a um estilo realista de visão. Não há a necessidade de retratarmos o mundo real pois ele sempre está disponível para nossos olhares. Deve-se sim exteriorizar os sentimentos internos e reprimidos para o público, distorcendo e modelando as formas de acordo com essas sensações. No expressionismo as formas e construções são exageradas, às vezes grotescas, surreais, estilizadas. É de fundamental importância relacionarmos o surgimento do Expressionismo Alemão no cinema com a situação do país em 1919. A Alemanha havia sido considerada a principal culpada pelas atrocidades da Primeira Guerra (1914-1918) e havia assinado o famigerado Tratado de Versalhes, que lhe impôs pesadas indenizações e restrições. Além disso, o império alemão havia sido dissolvido, dando lugar a chamada República de Weimar. Essas bruscas mudanças político-econômicas criariam um terreno instável mas fértil para inovações cinematográficas expressionistas, montando o contexto para o diretor F.W. Murnau criar Nosferatu: A Sinfonia do Horror. Murnau adaptou de forma livre mas sem autorização o romance Drácula de Bram Stoker, e teve sérios problemas com os direitos da obra, que envolvia disputas com a viúva do escritor. Nosferatu inclusive será retirado de circulação na Alemanha, e teve muitas de suas cópias destruídas por causa das acusações de plágio. O filme contém diversas alterações, como a mudança dos nomes dos personagens (Drácula para Orlok), do nome vampiro para nosferatu, a eliminação de vários personagens secundários e a transposição do ambiente da Inglaterra vitoriana para a cidade alemã de Bremen de 1838. Porém, a essência realmente se remete a obra de Stoker, e essa idéia central somada ao estilo de Murnau provocaria um resultado assustador. A imagem que temos do Drácula erótico e sensual, do gentleman sedutor de voz hipnótica foi estabelecida pelo húngaro Bela Lugosi no filme Drácula (Tod Browning, 1931). Tão forte foi a atuação de Lugosi que ele criou praticamente sozinho todo o imaginário em torno do conde que existe até hoje. Porém, não foi essa a primeira imagem de Drácula no cinema, pelo contrário. O nosferatu de Schreck não evoca um romantismo, mas sim repulsa. Não evoca sedução, mas repugnância. Não evoca a nobreza de um conde, mas as atitudes de um rato acuado. A atuação de Schreck deve muito a fotografia fenomenal de Fritz Wagner, que mantém uma beleza assustadora até os dias de hoje, retratando de forma fiel as angústias expressionistas. Nosferatu e outros sucessos de Murnau como a Última Risada (1924) e o fantástico Fausto (1926) o levaria a Hollywood com um contrato de cinco anos com a Fox. Apesar da grande obra Aurora (1927), escolhida pelo American Film Institute como um dos 100 melhores filmes americanos de todos os tempos e co-vencedora do primeiro oscar de melhor filme, o estilo pessoal de Murnau não se adaptaria muito bem com o sistema americano de estúdio nem com a introdução do som, provocando pesada interferência de executivos. Murnau morreria em um acidente de carro em 1931 na Califórnia. A influência de Nosferatu e de toda a escola expressionista é inegável e sentida até hoje. Nosferatu seria refilmado em 1979 por Werner Herzog, que acrescentaria seu toque pessoal e colocaria o enigmático Klaus Kinski no papel do conde. Em 2001 foi lançado o filme A Sombra do Vampiro (dirigido por Elias Merhige), que narra de forma fictícia o making of de Nosferatu, com a premissa de que o ator Max Schreck, interpretado magnificamente por Willem Dafoe, seria um vampiro de verdade! Alguém duvida? Eu não. Prós: - Um dos principais responsáveis pelo surgimento do estilo "monstro" de filmes de horror, que se espalharia por Hollywood na década de 30 com inúmeras obras do Universal Studios, como Drácula (1931), Frankenstein (1931) e A Múmia (1932), entre outros. - É a imagem mais assustadora que temos até hoje de um vampiro. A interpretação de Shreck é algo único. - A fotografia expressionista de Fritz Wagner, crua e selvagem, com suas sombras e contrastes criando cenas memoráveis envolvendo o nosferatu, como sua ascensão do caixão, a chegada do navio fantasma, e a sombra do vampiro sempre na espreita de um iminente ataque. - A técnica de edição, altamente inovadora para o período, que retrata em tomadas alternadas a corrida entre Hutter, por terra, e o conde, pelo mar, para chegarem a cidade de Bremen, ao mesmo tempo que mostra a noiva Ellen sentindo a ameaça se aproximar. - O nosferatu é sinônimo destruição e mortes. Sua presença traz a peste, e as cenas da cidade, amaldiçoada após sua chegada, com as pessoas carregando caixões em procissões fúnebres nos mostra a magnitude do terror. É arrepiante. Contras: - O nosferatu faz tudo meio que sozinho, inclusive carrega seu próprio caixão pela cidade. Isso diminui um pouco a noção de que ele representa uma grande ameaça. - Algumas cenas tem pouca ligação com a história central, e acabam travando a narrativa. - Não agradará quem espera uma adaptação fiel do romance de Stoker, e nem é essa a proposta. Devo Assistir ? O filme retrata mais um horror "artístisco" do que simples apelações emocionais. Quem está acostumado com muito sangue, carnificina e cenas clichés de suspense provavelmente não vai considerar Nosferatu um filme assustador.