Tokyo Story (1953)

Por Sandro Massarani Nome: Tokyo Story Rating: 10 / 10 Nome Original: Tokyo Monogatari Ano: 1953 País: Japão Cor: Preto e Branco. Duração: 136 min. Dirigido por: Yasujiro Ozu Escrito por: Kogo Noda, Yasujiro Ozu Estrelado por: Chishu Ryu, Chieko Higashiyama, Setsuko Hara, Haruko Sugimura, So Yamamura "A vida não é desapontadora?" Enredo: Casal de idosos viaja do interior do Japão para Tóquio, onde pretendem visitar e ver como estão se saindo os filhos. Porém, devido a correria do mundo moderno, acabam recebendo pouca atenção. Histórico: Cada pesquisador acaba, com o evoluir dos seus estudos, escolhendo alguns pontos que lhe sejam de maior valor, e que funcionem como parâmetros para suas classificações. Talvez o que eu mais valorize em uma obra narrativa, seja ela no cinema, na literatura, no teatro ou nos quadrinhos, é a permanência do significado desta obra na minha mente por dias, meses e até mesmo anos após eu a ter presenciado pela primeira vez. Seguindo esse critério de classificação, Tokyo Story, junto com Amadeus (Milos Forman, 1984), seriam para mim os maiores filmes já criados. Mesmo constantemente estando na lista das grandes obras de todos os tempos, Tokyo Story é um filme praticamente desconhecido no Brasil, exceto por quem realmente procura entender o cinema. É considerado a obra prima de um dos diretores mais conceituados da arte, Yasujiro Ozu, cuja principal característica é a de defender técnicas que acabaram ficando conhecidas como "anticinema". O anticinema de Ozu, que foi construído de forma gradual, atingindo o ápice em Tokyo Story, busca o distanciamento de certas técnicas narrativas tradicionais. O enredo de um filme, para Ozu, não deveria seguir uma estilo tradicional de história, com início, meio e fim bem definidos, e a valorização de temas grandiosos e impactantes, como a maioria dos filmes hollywoodianos clássicos, cujos scripts ele considerava manipuladores. Ozu quer mostrar aspectos rotineiros e aparentemente comuns, forçando os atores a não exporem constantemente suas emoções, pois isso seria uma falsificação da realidade. O interesse aqui é sutilmente revelar os personagens. Em um filme de Ozu, muitas vezes vale mais o que não foi dito. Em relação ao posicionamento e movimento da câmera, o anticinema é ainda mais radical. Nos últimos filmes de Ozu, a câmera praticamente não se move para acompanhar os personagens e ampliar o ambiente, formando apenas tomadas estáticas. As cenas sempre são filmadas em um ângulo baixo, como se o espectador estivesse sentado em um tatame, assistindo o desenrolar dos acontecimentos. Os atores muitas vezes olham diretamente para a câmera (uma técnica perturbadora) ao conversarem, e Ozu deixa frequentemente de respeitar a ordem tradicional do posicionamento dos personagens, criando uma composição bem singular. Um personagem está virado para a direita conversando com o outro. Normalmente, a próxima tomada deveria mostrar o outro personagem virado para a esquerda, mantendo um senso de direção. Só que Ozu, muitas vezes, não respeitava esse senso de direção, chamado eixo de 180 graus. Essas e outras técnicas peculiares, fizeram com que Ozu fosse considerado muito "japonês", e seus filmes só chegariam aos Estados Unidos e partes da Europa anos após terem sido criados. É fascinante percebermos como essas técnicas funcionam, na medida que o espectador não percebe de imediato a importância do tema. São filmes que vão adquirindo uma força cada vez maior após terem terminado. Sua primeira impressão pode ser a de que nada de fora do normal tenha acontecido, mas quando sua cabeça, na hora de dormir, encontra seu travesseiro, o efeito do filme começa a acontecer. Você começa a pensar na vida. Ozu, falecido em 1961, foi um dos diretores mais perfeccionistas e meticulosos. Ele e seu parceiro de longa data, Kogo Noda, preparavam o roteiro com todo o cuidado, e todos os diálogos deveriam ser extremamente respeitados, não tendo espaço para a improvisação, bem comum no Neorealismo italiano e na Nouvelle Vague francesa. Seus filmes em geral são bem parecidos, e suas idéias constantemente reutilizadas, obra após obra. Pode-se dizer, com um pouco de exagero, que Ozu fez somente um filme, recontando-o diversas vezes, e que buscou retratatar personagens da classe média japonesa enfatizando as relações familiares. É um tema eterno, magistralmente retratado em Tokyo Story, tanto que ao fim do filme, após minutos de reflexão, você verá que vale a pena abraçar seus pais, ou quem cuidou de você a vida toda, antes que seja tarde demais. Então, Ozu terá cumprido seu papel. Prós: - Um filme feito em 1953 mas que ainda permanece extremamente atual, principalmente no que se refere a fragmentação do antigo núcleo familiar por causa da correria do cotidiano, do trabalho incessante e de outras características do mundo tecnológico. - É comum os filmes de Ozu serem considerados muito parados. Porém, mesmo tendo um ritmo lento, cada cena é fundamental para o conjunto da obra, e a mensagem do filme acaba penetrando de forma gradual. Precisamos, nessa era da rapidez e da diversão descartável, reaprendermos a ter um grau mais longo de concentração e atenção, o que vem faltando à sociedade em geral. - As técnicas de Ozu, chamadas de anticinema, são extremamente eficazes para o que o diretor deseja passar, e representam uma grande inovação para a arte. - Atuações excepcionais, principalmente de Chishu Ryu, o pai, que só não trabalhou em dois filmes de Ozu, e de Setsuko Hara, uma das maiores atrizes da história do Japão, e que faz o papel da viúva de um dos filhos do casal de idosos, morto na guerra. Ironicamente, Hara, que não é biologicamente da família, é a única personagem que dá a devida atenção aos protagonistas. - Faz você pensar na vida e refleti-la, e não só por um breve momento. Contras: Simplesmente é inaceitável um país como o Brasil, que possui milhares de interessados sobre cinema, demorar a ter títulos de Ozu no mercado para a venda, e ainda mais sem os excelentes extras das edições estrangeiras. A única maneira de consegui-los, como eu fiz, é importá-los. É algo que realmente machuca quem procura estudar e apreciar um bom filme. Como Ozu não é um diretor comercial ou semi-comercial como Bergman, Fellini, Woody Allen e outros, acaba ficando de lado em um campo onde cada vez é mais valorizado o lucro rápido, movido pela propaganda. Uma ofensa. Chega a ser deprimente o filme só ter chegado nos EUA em 1972, mostrando que o problema é grave e ocorre também nos chamados países desenvolvidos. Devo Assistir ? Não é um filme de fácil absorção. As técnicas de Ozu, desenvolvidas ao longo do tempo, fazem com que aparentemente nada aconteça na maioria das cenas. De forma alguma é um filme para quem gosta somente de cinema rápido e de emoções impactantes. Porém, para quem quer refletir sobre a vida e conhecer a obra prima de um dos maiores artistas do século XX, é obrigatório.
tópicos sobre narrativa, roteiros e mundos virtuais
Além do Cotidiano
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Tokyo Story (1953)

Por Sandro Massarani Nome: Tokyo Story Rating: 10 / 10 Nome Original: Tokyo Monogatari Ano: 1953 País: Japão Cor: Preto e Branco. Duração: 136 min. Dirigido por: Yasujiro Ozu Escrito por: Kogo Noda, Yasujiro Ozu Estrelado por: Chishu Ryu, Chieko Higashiyama, Setsuko Hara, Haruko Sugimura, So Yamamura "A vida não é desapontadora?" Enredo: Casal de idosos viaja do interior do Japão para Tóquio, onde pretendem visitar e ver como estão se saindo os filhos. Porém, devido a correria do mundo moderno, acabam recebendo pouca atenção. Histórico: Cada pesquisador acaba, com o evoluir dos seus estudos, escolhendo alguns pontos que lhe sejam de maior valor, e que funcionem como parâmetros para suas classificações. Talvez o que eu mais valorize em uma obra narrativa, seja ela no cinema, na literatura, no teatro ou nos quadrinhos, é a permanência do significado desta obra na minha mente por dias, meses e até mesmo anos após eu a ter presenciado pela primeira vez. Seguindo esse critério de classificação, Tokyo Story, junto com Amadeus (Milos Forman, 1984), seriam para mim os maiores filmes já criados. Mesmo constantemente estando na lista das grandes obras de todos os tempos, Tokyo Story é um filme praticamente desconhecido no Brasil, exceto por quem realmente procura entender o cinema. É considerado a obra prima de um dos diretores mais conceituados da arte, Yasujiro Ozu, cuja principal característica é a de defender técnicas que acabaram ficando conhecidas como "anticinema". O anticinema de Ozu, que foi construído de forma gradual, atingindo o ápice em Tokyo Story, busca o distanciamento de certas técnicas narrativas tradicionais. O enredo de um filme, para Ozu, não deveria seguir uma estilo tradicional de história, com início, meio e fim bem definidos, e a valorização de temas grandiosos e impactantes, como a maioria dos filmes hollywoodianos clássicos, cujos scripts ele considerava manipuladores. Ozu quer mostrar aspectos rotineiros e aparentemente comuns, forçando os atores a não exporem constantemente suas emoções, pois isso seria uma falsificação da realidade. O interesse aqui é sutilmente revelar os personagens. Em um filme de Ozu, muitas vezes vale mais o que não foi dito. Em relação ao posicionamento e movimento da câmera, o anticinema é ainda mais radical. Nos últimos filmes de Ozu, a câmera praticamente não se move para acompanhar os personagens e ampliar o ambiente, formando apenas tomadas estáticas. As cenas sempre são filmadas em um ângulo baixo, como se o espectador estivesse sentado em um tatame, assistindo o desenrolar dos acontecimentos. Os atores muitas vezes olham diretamente para a câmera (uma técnica perturbadora) ao conversarem, e Ozu deixa frequentemente de respeitar a ordem tradicional do posicionamento dos personagens, criando uma composição bem singular. Um personagem está virado para a direita conversando com o outro. Normalmente, a próxima tomada deveria mostrar o outro personagem virado para a esquerda, mantendo um senso de direção. Só que Ozu, muitas vezes, não respeitava esse senso de direção, chamado eixo de 180 graus. Essas e outras técnicas peculiares, fizeram com que Ozu fosse considerado muito "japonês", e seus filmes só chegariam aos Estados Unidos e partes da Europa anos após terem sido criados. É fascinante percebermos como essas técnicas funcionam, na medida que o espectador não percebe de imediato a importância do tema. São filmes que vão adquirindo uma força cada vez maior após terem terminado. Sua primeira impressão pode ser a de que nada de fora do normal tenha acontecido, mas quando sua cabeça, na hora de dormir, encontra seu travesseiro, o efeito do filme começa a acontecer. Você começa a pensar na vida. Ozu, falecido em 1961, foi um dos diretores mais perfeccionistas e meticulosos. Ele e seu parceiro de longa data, Kogo Noda, preparavam o roteiro com todo o cuidado, e todos os diálogos deveriam ser extremamente respeitados, não tendo espaço para a improvisação, bem comum no Neorealismo italiano e na Nouvelle Vague francesa. Seus filmes em geral são bem parecidos, e suas idéias constantemente reutilizadas, obra após obra. Pode-se dizer, com um pouco de exagero, que Ozu fez somente um filme, recontando-o diversas vezes, e que buscou retratatar personagens da classe média japonesa enfatizando as relações familiares. É um tema eterno, magistralmente retratado em Tokyo Story, tanto que ao fim do filme, após minutos de reflexão, você verá que vale a pena abraçar seus pais, ou quem cuidou de você a vida toda, antes que seja tarde demais. Então, Ozu terá cumprido seu papel. Prós: - Um filme feito em 1953 mas que ainda permanece extremamente atual, principalmente no que se refere a fragmentação do antigo núcleo familiar por causa da correria do cotidiano, do trabalho incessante e de outras características do mundo tecnológico. - É comum os filmes de Ozu serem considerados muito parados. Porém, mesmo tendo um ritmo lento, cada cena é fundamental para o conjunto da obra, e a mensagem do filme acaba penetrando de forma gradual. Precisamos, nessa era da rapidez e da diversão descartável, reaprendermos a ter um grau mais longo de concentração e atenção, o que vem faltando à sociedade em geral. - As técnicas de Ozu, chamadas de anticinema, são extremamente eficazes para o que o diretor deseja passar, e representam uma grande inovação para a arte. - Atuações excepcionais, principalmente de Chishu Ryu, o pai, que só não trabalhou em dois filmes de Ozu, e de Setsuko Hara, uma das maiores atrizes da história do Japão, e que faz o papel da viúva de um dos filhos do casal de idosos, morto na guerra. Ironicamente, Hara, que não é biologicamente da família, é a única personagem que dá a devida atenção aos protagonistas. - Faz você pensar na vida e refleti-la, e não só por um breve momento. Contras: Simplesmente é inaceitável um país como o Brasil, que possui milhares de interessados sobre cinema, demorar a ter títulos de Ozu no mercado para a venda, e ainda mais sem os excelentes extras das edições estrangeiras. A única maneira de consegui- los, como eu fiz, é importá-los. É algo que realmente machuca quem procura estudar e apreciar um bom filme. Como Ozu não é um diretor comercial ou semi- comercial como Bergman, Fellini, Woody Allen e outros, acaba ficando de lado em um campo onde cada vez é mais valorizado o lucro rápido, movido pela propaganda. Uma ofensa. Chega a ser deprimente o filme só ter chegado nos EUA em 1972, mostrando que o problema é grave e ocorre também nos chamados países desenvolvidos. Devo Assistir ? Não é um filme de fácil absorção. As técnicas de Ozu, desenvolvidas ao longo do tempo, fazem com que aparentemente nada aconteça na maioria das cenas. De forma alguma é um filme para quem gosta somente de cinema rápido e de emoções impactantes. Porém, para quem quer refletir sobre a vida e conhecer a obra prima de um dos maiores artistas do século XX, é obrigatório.