Tempos Modernos (1936)
Por Sandro Massarani
Nome: Tempos Modernos
Rating: 10 / 10
Nome Original: Modern Times
Ano: 1936
País: EUA
Cor: Preto e Branco
Duração: 89 min.
Dirigido por: Charlie Chaplin
Escrito por: Charlie Chaplin
Estrelado por: Charlie Chaplin, Paulette Goddard
"Ei você! Volte ao trabalho!"
Enredo:
Em meio ao caos da Grande Depressão capitalista da década de 1930, um
trabalhador sofre com o desemprego e a crescente influência das máquinas, ao
mesmo tempo que se envolve em uma relação de ajuda mútua com uma órfã
foragida.
Histórico:
Em 1929, o mundo começaria a enfrentar a maior crise capitalista da história,
causada por um conjunto de fatores relacionados a superprodução norte-
americana e que provocou milhões de desempregados e inúmeras falências de
empresas. A crise de 1929 causaria uma Grande Depressão que acabaria
alavancando ao poder regimes fascistas como o de Adolph Hitler na Alemanha e
governos com alta interferência na economia, como os de Franklin Roosevelt
nos EUA e do próprio Getúlio Vargas no Brasil.
A década de 1930 também foi uma época de mudanças drásticas no cinema,
primariamente devido a transição dos filmes mudos para os filmes sonoros, que
apesar de rápida, acabou causando inúmeros debates polêmicos. Charlie
Chaplin, que em 1936 já era um nome consagrado do cinema e de renome
mundial, resolveu respeitar a sua tradição em seu próximo filme, Tempos
Modernos, mantendo as características do cinema mudo e construindo dentro
do contexto da crise econômica do período uma das maiores críticas à
sociedade industrial já realizadas.
Chaplin é uma figura que dispensa maiores apresentações. A figura do seu
personagem Tramp, que significa vagabundo e é chamado de Carlitos no Brasil,
é até hoje reconhecida praticamente nos quatro cantos do planeta, e sua
habilidade para misturar comédia com drama permanece inigualada. Suas
expressões são tão perfeitas que realmente entendemos o porquê da sua
relutância lendária em não utilizar diálogos, mesmo anos após a implantação do
som. Além disso, é um dos poucos artistas cuja influência vai além das telas,
seja em suas críticas sociais, ou seja em atos político-econômicos como a co-
fundação da United Artists em 1919.
Tempos Modernos será lançado após três anos de produção, e marca
praticamente o fim da era das grandes comédias silenciosas, sendo o último
filme mudo de Chaplin e a última aparição do Tramp. Na verdade, efeitos
sonoros e música são utilizados com constância na obra, e a fala também está
presente, mas só saindo através de máquinas como o rádio e no final do filme,
quando a voz do Tramp é ouvida pela única vez ao cantar uma música
ininteligível. Afinal para Chaplin, pra que palavras?
A obra retrata simplesmente a força da submissão humana à evolução
tecnológica e a total alienação do trabalhador, que passa a produzir o que não é
seu. O próprio Chaplin teve uma infância bem difícil, e praticamente todos os
seus filmes contém uma referência a luta contra a miséria. Sua posição política
contestadora, ainda que não muito radical, e diversos escândalos envolvendo
sua vida privada, acabariam lhe causando problemas na medida que os Estados
Unidos começa a entrar na paranóia da Guerra Fria. Chaplin, que é inglês, terá
seu visto de reentrada proibido em 1952 e ficaria vinte anos sem pisar em solo
norte-americano.
Tempos Modernos não é o meu filme preferido de Chaplin. Esta honra cabe a
Luzes da Cidade (1928). Porém, quando um filme que busca criticar a
modernidade tem mais de setenta anos e mesmo assim consegue facilmente
transmitir sua mensagem no século XXI, fica claro que estamos diante de algo
especial. Porém, infelizmente nesse caso, eu prefereria que Tempos Modernos
tivesse ficado ultrapassado. É ultrajante saber que a miséria e subordinação do
homem ao trabalho forçado continuem tão atuais quanto em 1936, 1836, 1736,
1636, 1536, e assim caminhando até chegar no horizonte da história.
Prós:
- Filme significativo, que mantém a força de seus ideais até hoje, quando vemos
grandes empresas internacionais cada vez mais insaciáveis em sua busca por
mão-de-obra barata e desenvolvimento tecnológico para reduzir custos.
- A abertura, extremamente profunda e sutil, comparando os trabalhadores a
um grupo de ovelhas. Mas devemos lembrar que Chaplin não foi o pioneiro em
relação a esse assunto, sendo precedido em alguns anos por Eisenstein e outros
cineastas, principalmente da escola soviética.
- O momento no qual Chaplin é usado como cobaia de uma máquina cujo
objetivo é alimentar o operário enquanto ele trabalha, economizando para o
patrão as horas de almoço, é impagável. Eu já utilizo Tempos Modernos com
meus alunos de história como uma crítica da Revolução Industrial há anos, e em
mais de 200 exibições eu nunca vi uma turma não rir intensamente nessa cena.
Algumas vezes chego a me emocionar ao ver um filme com mais de 7 décadas
ainda provocar uma grande magia.
- A música tema, Smile, composta pelo próprio Chaplin. Acrescida de letras, ela
seria depois gravada por nomes como Nat King Cole, Michael Jackson e Eric
Clapton.
- O supremo controle do chefe da fábrica, com câmeras instaladas por toda a
construção, antecipa em 13 anos a figura do Grande Irmão (Big Brother) da obra
prima 1984 de George Orwell.
- A idéia de colocar som na voz humana apenas quando esta é falada através de
máquinas, com exceção da canção final.
Contras:
- O cenário da fábrica é muito bem montado e interessante, mas a intenção de
dar um ar mais tecnológico e inovador acabou tornando o ambiente industrial
um pouco artificial.
- Paulette Goddard, que foi casada por um tempo com Chaplin e alcançou fama
inicial com Tempos Modernos, está bem arrumadinha e maquiada para uma órfã
que passa fome. Porém, na Hollywood daquele período, realmente nenhuma
atriz principal seria retratada como uma miserável de maneira realista e sem
um certo glamour.
Devo Assistir ?
Além de ser muito engraçado até hoje, contém pesadas críticas que podem
passar despercebidas para alguém mais desatento, mas que analisadas de
forma mais profunda refletem ainda os graves problemas de nossa sociedade. É
diversão com reflexão.
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